quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Entregando currículo

Para minha surpresa entro no ônibus e me deparo com a cena mais esperada para um pobre cristão que no alto de seus 24 anos ainda não possui seu transporte próprio, o coletivo vazio, a sensação de encontrar um ônibus assim logo às 9h da manha é a mesma de receber uma boa notícia que se espera há meses, vontade incondicional de soltar aquele sorriso no rosto escondido ou que estava guardado há muito tempo na espera do momento áureo, dar um bom dia carregado de profunda entonação para o motorista e cobrador, logo enxergo não muito longe a pessoa de meu primeiro plano, um senhor moreno, com o semblante fechado, como de praxe olhando para a pessoa que está entrando no coletivo, eu, os olhares se cruzam em uma mínima fração de segundos e nada mais, aquele mísero contato ocular e o semblante carrancudo do senhor de camisa social branca com linhas em verticais azuis me faz de forma repentina voltar a realidade e obrigatoriamente terminar dentro de mim a pequena alegria que sentia por não ter que me espremer, esticar, ficar na ponta do pé, desviar de braçadas e punhais quando se está dentro de um ônibus povoado de contingente humano.  
Vou passeando e observando sem rumo fixo com o olhar perdido para o melhor assento, falta de costume por não encontrar as mesmas condições de transporte rotineiramente, até que me acomodo, sento colado na janela, aonde me propícia à paisagem urbana que vou perdidamente contemplando o vai e vem dos carros do sentido contrário e lembro que meu objetivo não é apenas me deleitar em um ônibus vazio e sim entregar quem sabe nas mãos da pessoa certa aquele que pode ser meu passaporte para uma mudança de vida, o currículo.
Com a cabeça baixa chego ao meu destino, vou caminhando em direção à empresa mesclando passos largos e curtos, entrando em consonância com meu pensamento confuso, um misto de quero voltar e pegar o primeiro transporte que aparecer seja ele lotado ou não, com, vou enfrentar o medo, a vergonha e com certeza a antipatia de quem receberá o currículo. Mas já havia superado 90% do caminho não há mais volta, não relutei, a primeira barreira é a porta de vidro descomunal para qualquer pessoa, comprida, larga, espaçosa e pesada, enfim estou dentro da empresa, mas querendo me retirar o mais rápido possível para não ser notado, para minha infelicidade o ambiente é calmo, quieto, tranquilo, tenho a sensação que todos observam qualquer movimento fora do comum, e aquela minha entrada era algo fora do comum, eu não iria consumir um produto, estava ali apenas para entregar um papel A4 no interior de um envelope branco, e com certeza todos no local notaram a minha presença “indevida”, acelero o passo em direção ao retangular balcão bege que vejo na minha frente com a palavra atendimento em tamanhos garrafais, com alívio e a respiração menos ofegante um homem de aparência jovial, vestia camisa amarela, incomum e desconforme com o ambiente de trabalho discreto, aparentava uma idade que não ultrapassava os 30, com a voz mansa e humilde peço a permissão para entregar em suas mãos o tal documento, que representa minha esperança, ele me flerta com um olhar de imenso desinteresse e de extrema inquietude, como se eu fosse a pessoa de número 200.456.700 que fizesse o mesmo pedido, a tristeza me dominou assim como a sensação de que estava incomodando seu trabalho, a pequena parcela de esperança que tinha me corroeu até murchar e por instantes eternos pensei em estar cometendo um crime cabal sem opção de defesa.
De forma mecânica e sem soltar uma sílaba se quer ele estende a mão e recebe o currículo, viro as costas lentamente como num slow motion esperando apenas a sua confirmação, agradeci pelo recebimento, ainda com um fio de cabelo de esperança acreditando que ele pudesse soltar uma frase que me confortaria nos momentos seguintes, mas na minha teimosia veio o tapa na cara, apenas balançou a cabeça que já estava abaixada na direção de seu caderno, foi minha penitência, foi como se estivesse recebendo o golpe de misericórdia, a punhalada fatal, o último derramar de sangue, o suspiro final e por fim, o decreto de morte.       

     

Nenhum comentário:

Postar um comentário